segunda-feira, 20 de março de 2017
Christiano Whitakes / decolagem_dapintura
apresentação miguel paladino (curador residente)
DA COLAGEM
No primeiro manifesto do Surrealismo. André Breton referia-se à colagem1 “inventada” por Max Ernst em 1933 (a célebre SEMANA DE BONDADE2) como “uma proposta de organização visual absolutamente virgem”, sem deixar de dizer, ao mesmo tempo, que correspondia, em termos de poesia, ao que buscaram Lautréamont e Rimbaud.
Ernst, por sua vez, afirmava que René Magritte, outro notório surrealista, era autor de inúmeras “colagens pintadas à mão”.
Na América Latina coube a Leon Ferrari emular esses procedimentos com uma carga de critica política à Igreja e aos regimes militares por meio de colagens e ready mades, e à moral católica e bons costumes em parahereges, onde cenas bíblicas convivem com o Kama Sutra.
Richard Hamilton (AS CASAS DE ONTEM) na Inglaterra e Warhol (SOPA CAMPBELL) nos Estados Unidos se encarregam de trazer a colagem para o mundo industrial pela técnica da serigrafia, ou de levar o mundo da indústria para dentro da colagem com um misto de crítica e elogio próprios da estética pop.
Neste universo navega Christiano Whitaker, acrescentando a suas colagens um toque de humor carioca, para circunscrevê-lo geograficamente, e um certo humor negro, para defini-lo temporalmente. Alguns dos nomes evocam estórias que a literatura imortalizou, como a do rei que enfrenta adversidades da velhice (REI LEAR - Shakespeare) e da mulher que se lança nas águas tentando alcançar a lua (ISMÁLIA, Alphonsus de Guimaraens), ou da entidade que presidia aos funerais nos quais amigos ou parentes do morto cortavam os cabelos e os jogavam numa fogueira em honra à deusa infernal. (os gregos acreditavam que PERSÉFONE fazia reencontrar objetos perdidos, lemos no Google).
A Alice de Lewis Carroll e a Leda espartana representada certa vez por Leonardo são citadas tambem pelo artista como parte instigante desta iconografia literária feita de colagens de ideias. O nosso é um tempo de recorte e colagem, CTRL C CTRL V, de informação desenfreada e consumo exacerbado, e Christiano consegue transformar esses paradigmas em alimento da arte, seu próprio combustível. As embalagens e anuncios descartados vêm protagonizar uma galeria de personagens curiosamente inusitados que acabam revelando a origem do nosso tempo, dentro do qual nós tambem somos feitos de recortes e colagem.
1 As colagens e “assemblages” constituem uma expressão caraterística da lógica de produção surrealista, ancorada na ideia de acaso e de escolha aleatória, princípio central de criação para os dadaístas. A célebre frase de Lautréamont é tomada como inspiração forte: ‘”Belo como o encontro casual entre uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de dissecção”.
A colagem é uma técnica plástica que supõe existir uma produção industrial gráfica (catálogos, revistas, folhetos, ) passivel de ser descartada, picotada, estiletada e que resulta na aplicação inusitada de recortes com um discurso quase sempre poético, aproximando elementos de origens diversas que começam a existir num mesmo campo visual com novos significados interrelacionados a favor das intenções do autor ou artista, aquele que está com a tesoura ou o estilete numa mão e a cola na outra.
2 Terceiro romance-colagem de Ernst - que já havia produzido “La femme 100 têtes” (1929) e “Rêve d’une petite fille qui voulut entrer au Carmel” (1930) -, “Uma semana de bondade” foi criada em 1933, auge do movimento surrealista, durante uma viagem de três semanas à Itália, precisamente ao Castelo de Vigoleno, cidade medieval da Emilia-Romagna. Recortando uma série de imagens de livros, jornais, romances e revistas populares na Europa desde 1850, o artista transformou entretenimento em uma ação de alerta e revolta contra os valores da época.
(http://mundocollage.blogspot.com.br/2010_06_16_archive.html).
Da pintura
Uma série de retratos e outra de ictiografias compõem este conjunto de pinturas de Christiano, apresentadas na galeria como uma sequência enfileirada lembrando um corredor polonês, em cuja travessia o visitante certamente haverá de apanhar. Mas o espírito curioso não quer passar rapidamente e sim, antes, deter-se na observação destes rostos extremamente expressivos, nos quais a angústia é superada pela surpresa que um ornamento ou prótese pisciforme pode provocar. Seres imaginários como aqueles descritos pelo Padre Zallinger em “Animais nos Espelhos”,(*) onde “el Pez era un ser fugitivo y resplandeciente que nadie habia tocado, pero que muchos pretendian haber visto en el fondo de los espejos” ou como a rémora (peixe que, na época das primeiras navegações ultramarinas, trnava mais lentas as caravelas).
Os nomes dos retratados guardam uma ambígua função, já que parecem identificar pessoas que realmente existem e, ao mesmo tempo, parecem nomear seres imaginários ou literários cujas biografias, em aberto, sugerem narrativas fantásticas. Mas nossa fruição pode tambem prescindir das legendas e apreciar a plástica e a elegância que estes bustos transmitem, e recuperar assim o ato da pintura no seu estado mais espontâneo e expressivo. De uma maneira ou de outra nunca seremos os mesmos depois de atravessar o corredor polonês que o artista montou no estreito da galleria, onde as cores, os olhares e as legendas parecem representar o eco do eco de um sentimento (**).
(*) El libro de los seres imaginarios de Jorge Luis Borges. / (**)Eco de Jorge Drexler
o mundo do atelier & o atelier do mundo
um percurso pelos corredores do amplo apartamento de Christiano em Copacabana é uma viagem em vários sentidos. A convivencia de objetos que o tempo foi acumulando é uma colagem da sua obra na arte da vida, ou da sua vida na obra de arte, ou qualquer outra combinação desses fatores que possa nos ocorrer aleatória e indistintamente. Um caos rigorosamente criado pelo artista aproxima estatuetas da Birmânia ou do Vietnam com fotos da familia, arte indígena e móveis marchetados; telas de amigos com esculturas chinesas e desenhos das netas - assim deve parecer o mundo a este inquietante artista: uma experimentação constante onde praticamente tudo é quase sempre possível ou onde quase nunca nada morre tudo. Convivência talvez seja o termo que melhor define a sua estética, assim como o espontâneo ou o improviso definem sua ética.
lista de 38 obras (30 na galeria e 8 no jardim)
Colagens
01. O Sonho- colagem s/cartão; 56 x 67 cm, 2015
02. Arlequim - acrílica e colagem s/cartão; 68 x 59 cm, 2011
03. Alice e o Gato - acrílica e colagem s/papel; 56 x 48 cm, 2009
04. Leda e o Cisne - acrílica e colagem s/cartão; 40 x 50 cm, 2010
05. O Namorado - acrílica e colagem s/papel; 45 x 49 cm, 2008
06. Maternidade - acrílica e colagem s/cartão; 68 x 59 cm, 2010
07. O Pregador - acrílica e colagem s/tela; 50 x 70 cm, 2016
08. O Grão Mestre- acrílica e colagem s/papel; 55 x 65 cm, 2016
09. Rei Lear - acrílica e colagem s/papel; 65 x 48 cm ,2010
10. Selfie - pastel aquarelável e colagem s/papel; 30 x 42 cm, 2016
11. Día de los Muertos – acrílica, pastel e colagem s/papel; 30 x 42 cm, 2014
12. Perséfone- colagem s/papel 40 x 50 cm, 2016
13. Miss Cartier- colagem s/cartão entelado; 30x46 cm, 2016
Pinturas
14. Nimrod – acrílica s/tela; 70x50 cm, 2015
15. Rei Peixe Rei– pastel seco e hidrográfica s/papel; 60 x 71 cm, 2016
16. Pescadora 1– pastel seco e carvão s/papel; 21 x 28 cm, 2015
17. Pontifex – acrílica s/tela; 42 x 39,5 cm, 2015
18. Pescadora 2– pastel seco sobre papel; 22 x 31 cm, 2016
19. Jonas – pastel oleoso s/papel; 42 x 30 cm, 2015
20. Koi – pastel seco e acrílica s/papel; 45 x 32 cm, 2015
21. O barqueiro – pastel seco e carvão s/papel; 42 x 30 cm, 2015
22. Diego - acrilica s/tela; 40 x 40 cm, 2015
23. Pequena figura- pastel seco e hidrográfica s/papel; 21 x 30 cm, 2016
24. Duas figuras - pastel seco s/papel; 31 x 32 cm, 2016
25. Gavril - pastel seco e grafite s/papel; 30 x 42 cm, 2016
26. Bento - pastel oleoso s/papel; 32 x 45 cm, 2014
27. O luminoso - acrílica s/papel; 32 x 45 cm, 2016
28. Airton - lápis de cera e acrílica s/cartão; 30 x 36cm, 2014
duas colagens
29. Ismália - colagem s/papel; 102 x 73 cm, 2004
30. Só se pensa - acrílica e colagem s/tela; 50 x 70 cm, 2016
Jardim da Galeria
31. O Cavaleiro 1 - acrílica sobre tela/44x60 cm; 2015
32. O Cavaleiro 2 - acrílica, colagem e hidrográfica s/tela/50x40 cm; 2016
33. Walther - pastel seco s/cartão/32 x 44 cm ; 2014
34. Rosazul - acrílica s/tela; 34x42 cm, 2016
35. Pensante/técnica mista s/papel / 31 x 39,5; 2016
36. Trindade - técnica mista s/ cartão / 50 x 40 cm, 2008
37. Chapeuzinho - técnica mista s/ cartão / 27,5 x 40 cm, 2008
38. Nekko - técnica mista s/papel / 36 x 46 cm
abertura: sábado, 25 de março, 2017 - 17h
la mínima galeria
av pedroso de morais 822 - pinheiros
agendamento de visitas pelo telefone 11 3578 0003
produção Camila Whitaker
montagem Miguel Paladino (curador residente)
Curriculum Vitae
Christiano Whitaker Nascido em São Paulo, 24/12/1940. Carreira Diplomática, 1967 a 2010. Nove postos no Exterior, dentre os quais os de Embaixador em Hanói (Vietnam) e Windhoek (Namíbia).
Estudos de pintura e desenho na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro), sob a direção de Orlando Mollica, e no ateliê de Fernando Zenshô Figueiredo.
Exposições:
Individual – Galeria Mezanino
Coletivas- Galeria Mezanino, Galeria Os Modernistas (Rio de Janeiro), Galeria La Mínima
segunda-feira, 13 de março de 2017
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