quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Paisagens imaginárias - Pinturas de Olga Giongo Ribeiro (sobre tela) e Rubens Matuck (sobre madeira)


A paisagem é sempre um recorte do espaço e, embora não pareça, também do tempo.Tema recorrente nas artes plásticas após o advento do cavalete, a paisagem abarca um amplo espectro de estilos e uma variadissima gama de soluções e técnicas pictóricas para representá-la no quadro que, como uma janela, compartilhamos com o artista quando estamos diante dele. Ninguém que viu um Turner (a bruma marítima de um Turner) pode esquecer daquilo. Ninguém consegue esquecer a vibração das cores com que van Gogh pintou as oliveiras de Saint Remy na luz do sol ou as estrelas e seus reflexos no Rhone.

Pintores como esses observam a paisagem e recortam o que cabe na tela (ou o que eles pensam que cabe ou deve caber) para depois fazernos testemunhas e cúmplices dessa observação. Há um espírito de registro infiel, sensitivo antes que fotográfico, subjetivo mais do que cartográfico. As litografias de Escher na costa amalfitana foram a origem de um mundo que ele representou mais tarde como labiríntico, espelhado, mutante e imaginário, algo semelhante ao que Borges fez nas letras com as enciclopédias de sua infância e os seres imaginários do escritor adulto.


Cézanne foi tal vez o primeiro desses pintores com quem o observador teve que fazer um pacto e concordar com o partido tomado. Estamos fora da realidade e, no entanto, mergulhados nela até o osso: somos o público assistindo uma peça de teatro e mesmo sabendo que aquilo é uma encenação, fingindo que é real. Esse real (se é que isso existe como dado objetivo) se configura através dessas pinturas, a natureza morta parece mais viva que as próprias frutas que comemos, a luz que atravessa as árvores e elas próprias nos parecem mais reais que as que vemos num parque ou numa rua.

- Natureza e cultura, poderá dizer aquele senhor sisudo para quem duas palavras bastam.

As receitas ou conselhos que Leonardo oferece ao pintor (muito antes dos expressionistas) para imitar a natureza na pintura referem “umas nuvenzinhas” que devem ser pintadas no final da obra, como se esse artifício fosse a dose de realidade que estaria faltando para a paisagem se tornar real.

Elaborar um catálogo de nuvens ou um inventário de marinas e morros pode ser tarefa inesgotável, prazerosa e bastante inútil: ou seja, praticamente um trabalho de arte. Se esse catálogo for criado a partir da imaginação, como é o caso de Rubens e Olga nesta mostra, a gama de possibilidades pictóricas que se abre pode estar próxima do infinito.

Advindos de experiências estéticas bem diversas, estes dois artistas se encontram no reduzido espaço de La mínima para um diálogo de imagens aparentemente díspares mas que contém elementos comuns, planos de observação de paisagens (sempre interiores ou que existem em registros da memória sem propósito aparente) onde uma linha (a mesma linha) divide o campo da pintura, céu e terra, nuvens e ondas do mar ou de morros, horizontais sempre, harmônicas com o longo corredor da galeria que ficou, nesta montagem, cheio de janelas por onde espiamos não o exterior mas, antes, o interior: a nossa memória de paisagens reais misturada com aquelas “ nuvenzinhas” do Leonardo, janelas ou “janelinhas” que deixam este nosso mundo menos real e mais imaginário, ou seja, melhor.

Miguel Paladino/ curador residente


Rubens e Olga